26.10.12

Títere



O sol bate na janela e uma grande criança acorda de um pequeno sono. Com um sorriso no rosto levanta-se e vai até a sala num pulo. Lá, havia uma surpresa que a deixaria com o sorriso mais largo. Um boneco. Um simples, pequeno e grande Títere. Sim, um Títere estava encostado no sofá de braços abertos, não esperando por alguém, mas estava de braços abertos.

A criança, encantada, pega e não larga o boneco. Eram conversas, risos e brincadeiras sempre juntos. Sempre. Em uma das brincadeiras a grande criança nota uns cordéis no boneco e fica impressionada com aquilo. Uns ligavam a boca, outros as pernas, braços, cabeça, peito... tudo era ligado. Começou a puxar um por um e achou engraçado brincar de puxar os cordéis do boneco.
Começou a controlar tudo. Braços, pernas, conversas... Crianças. Era uma novidade enorme. Correu e rapidamente apresentou seu brinquedo aos amigos e  familiares. Eles adoraram o boneco, que adorava a criança, que adorava brincar.

Cordéis. Todo dia era um puxar para cima, para baixo, para um lado e para o outro. Tudo era muito simples até, um ser puxado sozinho pelo boneco. A criança assustada, puxou todas as cordas de uma vez só num reflexo. De olhos arregalados olhava para o boneco e achou que estava com defeito. Mas não, simplesmente o boneco tinha vida e falou. Sim, falou. A grande criança,  ainda assustada, não sabia o que fazer. Achava que era impossível o boneco mover-se, achava que bonecos não poderiam falar... achava.

Num movimento brusco, a criança corta todos os cordéis não deixando um conectado. O boneco não caiu, não quebrou, mas perdeu os cordéis. Olhou para a criança que disse em seguida: - Vai ficar tudo bem. Não vai mudar nada nos movimentos. – o títere apenas olhava nos olhas da criança que olhava para o nada.
Tudo ficou bem... diferente. Na mesma hora percebeu que o sorriso era torto, a voz era torta e os abraços sem braços.

A pequena grande criança não percebeu que os cordéis não eram apenas ligados as pernas, braços, cabeça... Também eram ligados ao sorriso, abraço e a amizade. Desequilíbrio.
      
   

11.4.12

Adolfo

Adolfo. 69 anos. Acordava às 05h00 da manhã em ponto todo o dia. Levantava com o pé direito, pois o esquerdo tinha perdido em uma guerra sem cabeça. Lavava o rosto com água morna, escovava os dentes, que ficavam num copo com água, colocava a velha roupa social e perfumava-se todo. Do pé até orelha. Era um senhor elegante. Nunca esquecia de nada. Nada mesmo. Nem do laço elegante de sua gravata borboleta, e do laço dos sapatos que eram bem engraxados todas às noite antes de dormir. Ele realmente não esqueci de nada. Nem da flor para a Daisy. Daisy era uma senhora que vendia pipoca na praça. Ele passava lá para dar-lhe flores toda à tarde. Muitas pessoas até pensavam que ela vendia flores ao invés de pipoca, pela quantidade e variedade das flores que ficavam em sua volta. Ela adorava.

Todo dia a mesmo coisa. Pé direito, dentes, perfume... não esqueci nada. Tinha uma boa memória. Daisy ficava sempre à sua espera. Estava sempre com um sorriso no rosto, mesmo que não vendesse nenhuma pipoca.
Adolfo, ficava na esperança de um beijo, nem que fosse no rosto, mas ela nunca o dera. Até que um dia ela sai de casa decidida em dar-lhe um beijo. Sai tão ansiosa que esquece de levar as pipocas em seu carrinho. Chega bem cedo na praça e o espera. Espera e espera. Surpreendentemente, ele não passa. Ela fica preocupada e olha para o seu relógio a cada 1 minuto. Passados 10 minutos ela sai e vai até a casa dele deixando a pipoqueira na praça.


Depois de duas árvores, um poste e um cachorro, ela chega até a porta da casa de Adolfo. Ela percebe que  a porta está aberta e entra pedindo licença. Chega até a porta de seu quarto com passos leves e lentos. Estava cansada. Ao chegar perto da cama ver que Adolfo ainda dorme, e percebe que o homem que nunca esquecera de nada, esqueceu de acordar naquela linda manha de domingo. Ela o beija, ele dorme... ela chora.